Pensamentos Prensados

segunda-feira, dezembro 05, 2016

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #047


Linhas de catarse

A Terra é um lugar desesperadamente frio e absurdamente morto, despojado de qualquer (des)conforto do livre-arbítrio, após os últimos momentos de possibilidades, antes de as conexões e as recepções do corpo se desintegrarem com o fim da reposição de sons, sem respirações, somente pressão! pressão! pressão!...

"Que o farol não deixe de brilhar em favor dos navegantes pelos recifes, em prol dos náufragos pelas ilhas, em auxílio dos afogados pelos abismos", a vontade final da finada voz voltava.

Despertos e perdidos na imensidão dos pensamentos azuis, perseguimos um remanso de península para não perecer e não descansar em passividade, com pena de nós mesmos. Mas o que remanesce no outro lado do istmo, onde os vivos não reencontram os próprios nados e não reconhecem mais autoestimas ou íntimos, atormentando-se como se estivessem permanentemente em alto-mar?

"Deuses da loucura... os pensamentos prensados tentam respirar", um profeta contemporâneo professava, desolado em um oráculo profano.

No memorial das buscas pessoais conturbadas, haverá uma área especialmente reservada para os contundentes e autênticos instantes de reconciliação com aquilo que nos remete, concerne, expressa (com o que realmente nos recomeça): a capacidade da redescoberta, a plasticidade da renovação e a praticidade da convenção que deve estar aberta para prioridades como o perdão e a redenção (o prazer da primeira respiração após o coma induzido pelos anos de uma existência acomodada na insegurança).

Superada a catástrofe, vem a cura, catalisada em um refrão que sussurra e envolve, surpreende e explode... 

Homem ao mar! Outra sombra a se salvar!
(Ontem e não mais! Tais ondas a se deixar!)
Louvem o ar! Outro sonho a se saudar!
(Hoje e bem mais! Tão longe a se chegar!)

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #046

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #045


Linhas de exaustão

"Você... já fechou os olhos para esquecer as coisas acumuladas no coração? Alegrias que não voltam mais, dores que insistem em viver. Você abaixa a cabeça para não encarar o nada. Andar é difícil quando se arrasta cadáveres amarrados à memória. Como enterrar parte da sua vida sem se matar? Sua esperança... é abandonada em cada curva, mas o vento a recupera", uma crônica se incorporava;

As expectativas cantadas por poetas e bardos, contudo, podem ser como as expedições contadas por piratas e bandoleiros: palavras e motes que se abalam em meio a ataques e motins, que são abalroados e baqueados, mortos e amontoados, queimados na terra saqueada, jogados ao mar sargaçado. E as letras enfileiradas que, por ventura, escapam das labaredas e dos redemoinhos não se alentam ao ver o fim do mapa, onde todos os medos deveriam ser levantados e desterrados por braços de areia e carne, por cansaços de madeira e ferrugem. Na exumação do tempo dourado, só estas questões vêm à tona: onde está nosso tesouro, o que é mais precioso, o verso e o som eu / te / amo?

"O ato de manter-se calado, inerte e assustado diante dos monstros das profundezas marítimas é o momento mais significativo da grandeza que é a inabilidade, cem por cento inata, de singrarmos ao nosso destino em segurança", ela remava.

E assim, cedo e sem demora ou sempre e devagar, chegamos aonde nossas chamas não se acendem mais: do gás das estrelas até a massa em gangrena, nos formamos à base de infortúnios, mas a força com que rebatemos fraqueza por fraqueza é inútil e refratária no fim. Somos frágeis frascos de átomos e, após a fatura dos anos fraturados, nos tornaremos matérias extintas e espíritos mártires.

(Sob o sol raivoso, a saudade salga e não sai, e o suor não suporta mais o sufoco!)

Que Poseidon aceite conceder seu perdão aos navegantes que não sentem mais o ajuste das velas e se deixam levar de vez, de mãos juntas e atadas, pelo repuxo que atravessa cubos e esferas de densidades e os entrega, como sacrifícios voluntários, ao alcance de sereias e divindades do santuário aquático, no altar das oferendas, sob a abóboda celestial das ondas...

Ninguém revive à deriva.

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #044


Linhas de propulsão 

Astros, mastros e maestros:

No mar sem amarras, sob o céu sem celeuma, a mente se demora.

(Baía balsâmica)

Entregues às estrelas e suas eternidades, bem longe da extremidade da escuridão,

As ilhas do mundo distante se iluminam liricamente após o término da distanásia de tantas postergações, mas ainda assim os olhos térmicos e avermelhados de um impostor inveterado por acidente custam a se iludir com o que veem e a se fundir com esses paraísos, que podem ser tão precisos de inventados só para atender isso: o premente objetivo de antecipar e soltar o grito de terra à vista!, logo em frente!, e não se obrigar a conjecturar nunca mais a terrível visão da borda do abismo, do horizonte sem volta, da correnteza sísmica e tortuosa, da força decisiva sem corda, âncora ou honra, e os vislumbres de horror dela dela dela, da acelerada descida lúgubre pela gravidade que é gerada e turbinada incessantemente no centro do nosso insistente e guardado silêncio...

No vento de novembro, nos vemos e nos movemos

– Estamos indo da digressão para a mera distensão das miragens ou para a melhor direção dos milagres?

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #043


Linhas de amplitude

Mas, enquanto não vem o vagalhão, as ondas vão e voltam, vacilam e vagueiam, vacantes e vagarosas, trazendo a ressonância de alterações singulares, tragando assonâncias, aliterações e ressignificações...

(Por que as pendências ainda prenderiam um ponto pendular na ponte, entre as ponderações sempre iguais de um lado e os poréns de pretensões finais do outro?)

Nos ares do mar, nos arcos de brisas e rajadas, elas disparam, pairam e planam como flechas e penas, leves e lentas – nada parece parar as pranchas daqueles que praticam a arte de espairecer e renascer diariamente;

Nas areias da praia, castelos, muralhas e reinos são arquitetados e erguidos com mãos e pás, com baldes e conchas, com pilares da cordialidade – ao brilhar tão solar depois de estar solitário, o sorriso dissolve qualquer dissabor;

Nas áreas dos costões intocáveis, a natureza se acomoda entre poças que são salgadas e rochas que são salpicadas constantemente, a cada nova velha carga de choque, véu e água – a resiliência é adaptação com persistência, teimosia com inteligência, sabedoria com paciência.

"O vento enxerga aventuras quando as linhas da vida são ligadas pela liberdade", um velejador lembrava.

Navegar é sentido...