Pensamentos Prensados

quarta-feira, janeiro 11, 2017

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #051


Linhas de libertação

Estamos sempre andando sobre espelhos, sob o risco eterno de amar e odiar o que vemos e de parti-los com a perplexidade dos nossos reflexos inquietos.

"Milhares de pessoas passavam e sumiam rapidamente naquele labirinto infinito, de corredores largos e extremamente brancos, quase transparentes. Tinham pressa, mas flutuavam sem se cansar; apesar da velocidade, seus rostos permaneciam rígidos, frios, sem contrações e emoções. Incontáveis portas se espalhavam pelos lados e eram o destino final de todos. Quando alcançavam a porta que deveriam encontrar, atravessavam-na e mergulhavam em um lugar totalmente diferente", ele reprisava, de maneira dramática, a época do ano anterior na qual estourou o que estava represado no seu âmago.

(A única sombra / que enfrentarás aqui / vês todos os dias)

... Neste mundo, presenteado com qualidades potenciais e infestado por estúpidas imperfeições, quem não lida com seus problemas por medo, bloqueio, desprezo ou incompetência talvez não seja ouvido e visto como um ser humano essencial em momento algum. Se sabemos enfrentar os anos que vêm se movendo e nos engolindo, se podemos evitar a imitação de hábitos nocivos do tempo externo, se conseguimos mudar os movimentos que já não fazem mais sentido ou sucesso, por que então achamos que misturar nossa consideração com autocomiseração seja o caminho mais aprazível, honroso e viável em longo prazo? (A chance é eterna: / contemplas a energia? / Essa luz azul?)

Se a sensibilidade é ensinada em cenas singelas (bem repletas em qualquer sentido!), por que assentimos com o esquecimento dela assim, desse jeito, tão cedo? (Ela te seguirá / sempre que tu quiseres / – como lateja!)

Se tantos de vocês, humanos covardes, não acreditam em novas chances, então comecem a aceitar as recomendações provindas das suas reflexões mais profundas antes que elas se rebelem e assumam um protagonismo realmente antagonista! (Pele pulsante, / rosto umedecido, / sangue vibrante)

"Seus pés, imóveis, sangram. Suas mãos, arranhadas, sangram. Seu algoz, derrotado, ainda sangra. O sol, poente, ainda sangra e brilha. Seu coração, livre, não mais sangra. O espelho, aterrorizante, não mais brilha", ele finalizava, indo feliz para a ilusão do infinito, para muito além da fina prisão da lâmina prateada. (Sente teu suor e / seca tuas lágrimas: / a vida vive em ti)

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #050


Linhas de execução

Em último caso, um recomeço verdadeiramente consolidado demanda um acerto de contas extremo, com a libertação mútua e certeira de dois mundos intrincados nas ligações entre a vida e a morte

– E isso é o adeus sinceramente definitivo: um ato final que deve ser feito sem qualquer tipo de eufemismo.

De salto em salto, desatamos os nós e nos soltamos da ucronia, da incongruência em demasiado que conflui para esse universo paralelo conflitante (de nota em nota, distensionamos cordas, acordes e dedos em dimensões correspondentes à realidade);

No concerto do silêncio que é regido agora, a consciência reage a cada hora;

E, sob a luz tão justa da clave de sol, na sublimação de agudos e clarificados sons angelicais, a suturação do ser aglutina, enfim, todos os pontos que ficaram separados durante cinco longos anos convulsionados.

Depois de derrotada, deposta e destronada dentro do seu próprio reino, a razão se recompõe por inteiro e regressa, e prontamente estão condenados à extinção todos os feitos e todas as histórias de obsessão e paranoia (imagens irreais não têm direito a um último desejo).

Mas ainda podemos ser uma sequência de cálculos matemáticos que almeja a soma perfeita de proporções imaculadas para a simetria de corpos e corações? Ou permaneceremos obrigados a nos aceitar como uma obra-prima acentuadamente incompleta, tão incerta e incapaz de ser isenta de insensatez, com impressões imprecisas que impregnam indecisões nas nossas intenções durante os instantes em que estamos inseguros? (Sim, tem de ser assim, tem de ser!)

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #049


Linhas de assombração





Estamos indo ao desespero de sempre de dezembro. (Alegria!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Brindes!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Compras!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Dez!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Enfeites!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Festas!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Guloseimas!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Hipocrisia!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Irmandade!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Jingles!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Luzes!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Magia!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Natal!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Otimismo!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Presentes!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Quatro!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Réveillon!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Superstições!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Tradições!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Um!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Votos!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Xis!) Ao desespero de sempre de dezembro. (Zero!) Janeiro já ou jamais? Janeiro já ou jamais? Janeiro já ou jamais? Janeiro já ou jamais? Janeiro já ou jamais? Janeiro já ou jamais?


Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #048


Linhas de reparo

A tarde avança, e as nuvens começam a parar, e as tintas na paleta se realçam para todos os quadros, e os tons dos raios ultravioleta no horizonte balançam e formam a moldura, o retrato e a fortuna da terra firme: uma vista única.

Os sentidos mais puros vão se recuperando e, dos esquecidos recantos da infância, regressam as sinestesias e suas ressignificações – o sabor de néctar nuclear do brilho do sol, o ruído áspero-úmido da maresia da brisa, o odor azul-esverdeado da areia que se esgueira pela maré...

A vida é sopro e silêncio e, durante tudo isso, um ávido esforço de resistência à dor do mundo, ao vazio resultante da comunhão que se desfez em um ato; ela é compromisso e missão de recordar, valorizar e retomar o lado bonito e completo do destino.

Por isso, ouçamos de novo, mas agora apenas com sorrisos, as canções que já ousamos e arriscamos a compor e a tocar nas andanças destes pés, deste coração com fé. E que assim possamos continuar nos escutando e acreditando, pois nossos passos ecoam quando criamos boas lembranças.

Nenhuma jornada pode renunciar à história que nos torna únicos ou isolar vitórias de derrotas, como se o ato de recusar linhas de atribulação e fracasso conseguisse ignorar os dolorosos aprendizados obtidos com brigas e quedas. Na viagem pelos trilhos rodados desta ferrovia, na qual o trem ainda apita com vigor, não se envergam e recaem mais sobre nossa tranquilidade o inventário das diferentes tradições, atribuições e intenções do ser, constantemente ditadas, inventadas e traídas pelo tempo; com clareza, sabemos que sempre aparecerá a opção de enxergar as inerentes ações, reações e redações do crescimento pessoal em uma posição de crédito, apoio e leveza.

E, contra qualquer receio, anseio ou devaneio reincidente no futuro, é inegável a contribuição ancestral das chegadas e das visitas que se guardam em cheio nas costuras e nos revestimentos do peito

– Nos abraços decisivos, nos abrimos e desabamos.