Pensamentos Prensados

segunda-feira, maio 05, 2008

O fim de uma longa festa (crônica)


A respiração fica tensa quando se sente o vazio. O medo reaparece e se fortalece diante do silêncio do dia em que paramos para organizar e analisar as lembranças dos últimos anos, lembranças de uma época que se despede. Agora só resta a lembrança da beleza de milhares de sorrisos jovens, frutos da nossa vontade natural de nos divertir, potencializada pelas pequenas preocupações que tínhamos, pela certeza de que o futuro próximo ainda nos reservava um caminho definido.

A beleza desses dias voltará vez ou outra, em histórias e recordações, mas naturalmente de maneira menos intensa do que realmente foi. Estamos no fim de uma longa festa e a melancolia é a pior das ressacas. Ataca a mente, o coração e aquilo que chamamos de alma, a essência de tudo que somos e preenchemos desde o dia no qual a primeira das nossas lembranças infantis sobreviveu ao tempo.

Somos jovens demais e tudo que vivemos ainda parece pouco. Como falta muito para preenchermos todos os espaços dessa essência, as sensações de vazio podem irromper facilmente: há coisas que ainda não fizemos, coisas que fizemos e se apagam lentamente, coisas que não fizemos corretamente e terminaram inacabadas, coisas que lamentamos por não ter feito, mesmo de momentos em que achávamos ter tentado de tudo.

A sensação de vazio nos perturba e nos confunde quando olhamos as lembranças bagunçadas dessa longa festa. Ela tenta criar ou ressuscitar arrependimentos, torná-los maiores do que a felicidade que sentimos, tenta diminuir a importância de lições, conquistas, redenções. Os erros ecoam e pequenas irrealidades surgem; consertamos situações nas nossas mentes e nos torturamos com a simplicidade das coisas que devíamos ter feito para que tudo ficasse do jeito que queríamos.

Essa beleza ilusória, a busca mental do sonho perfeito, corrompe a melancolia pós-festa e a contemplação da beleza realmente sentida. Em vez de somente admirar e sorrir, passamos a nos inquietar com questionamentos antigos. Procuramos respostas e explicações, mas tudo que ouvimos são apenas sons cada vez mais fracos, com palavras se transformando em murmúrios e dançando à beira do silêncio.

Tantas coisas e vontades ficaram inacabadas pelo caminho e não temos mais tempo de recuperá-las. O futuro parecia que viria lentamente, mas, quando olhamos para trás, percebemos que ele veio depressa demais. Tantas coisas aconteceram e, mesmo assim, ele veio rápido demais. Transformou os dias em memórias, as alegrias em nostalgias, as tristezas em cinzas.

Entoávamos uma bela canção há tanto tempo que agora não sabemos o que fazer com esse silêncio. O vazio parece ser o destino final de qualquer coisa que tentarmos, parece roubar através do esquecimento os contornos de tudo que vivemos, torna melancólico qualquer fim, principalmente dessa longa festa e das suas histórias, que nunca mais se repetirão.

Ele, porém, só conseguirá tudo isso se ficarmos atônitos e perdidos nos destroços. Levantemos, bêbados ou não de alegria, juntos ou separados, e comecemos a andar e tropeçar em busca de novas festas, canções, sonhos, qualquer coisa que possamos acumular nas nossas essências e nos fazer viver ainda mais. Essa é a única maneira de realmente fugir com sucesso da sensação de vazio e evitar o pior dos silêncios.