Pensamentos Prensados

domingo, outubro 16, 2016

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #041


Linhas de melancolia

A primavera ainda consegue nos aprimorar com seus versos, com seus amáveis e extraordinários verbos e advérbios?

Se até a natureza, crua e cruel da maneira que também é, não desiste da felicidade como bem e como destino, por que tantas almas bondosas nunca largam o pranto, o lamento, a lástima, as lágrimas?

Para quem os pássaros cantam sem parar quando já se sentem amados e amparados, tendo o que mais querem?

Nos murmúrios do museu de um mundo musical,

A memória se abre como mar remoto para quem não sabe mais remar e, a despeito disso, parte com um mapa enterrado no peito insubmisso, desesperado por um tesouro apagado na tristeza do fundo do tempo.

"O empenho de pinheiros em meio a prédios e ventos é idêntico ao medo de marinheiros diante de maremotos e tormentas: eles se sobressaem em nome da sobrevivência", ela navegava, entre o alívio da morfina hospitalar e as náuseas do fino corpo hospedeiro.

(Com toque de textura única, a ternura nocauteia as piores dores, a tontura de tantas torturas, os tremores de tempos que vêm morrendo por dentro – ela derrota tudo depressa e junto, ela deixa todos os males desconjuntados, nem que seja por pálidos segundos ou cinco minutos, sem qualquer tipo de público. Ainda assim, já haverá uma pequena vitória da vida; já valerá a pena ver essa investida, bem serena, contra adversários invencíveis; já se terá, contra a enfermidade, uma risada incontida por um instante, mesmo que não esteja convalescente. O tão pouco se torna amplo e crescente quando estamos quase que totalmente impotentes.)

domingo, outubro 09, 2016

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #040


Linhas de barbárie

Na disputa do pluralismo contra a plutocracia,

Estaremos totalmente derrotados e derrogados se muitos aderirem à declaração dos direitos desumanos?

Diante da extrema demência e da extrema estupidez que estão menos e menos dormentes nas entranhas de pessoas próximas e estranhas,

A sensatez é escudo contra instintos obscuros, contra mentes espalhadas pelas ruas e espelhadas como espadas; ela duela e recua, enfraquece e fratura, racha e não se acha mais, escondida na escuridão e mal escutada...

A destruição da democracia será irremediável se as demonstrações de demônios não forem removidas.

"Outrora outubro outorgou: conformismos com monstruosidades não poderão se aproximar nem mesmo de indícios de aprovações, quanto mais de consensos!", uma voz volátil avolumava. Mas o autoritarismo não se oxidará e tampouco se olvidará enquanto estiver precedido e protegido por apologias de sofismas e preconceitos.

Quando os termos de convivência são trêmulos, os acordos civilizatórios temerariamente se acovardam para violências institucionalizadas e personalizadas – dos poros do poder e dos poderes, escorre incansavelmente o sangue da violência pública praticada contra dissidências e minorias, da violência privada implacável contra diferenças e misturas.

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #039


Linhas de corrupção 

"Mas realizar o idealismo requer o máximo de si a cada instante e em cada instância... quem não desconfia sempre dos caminhos fáceis será alvo de ofertas e ameaças, de tentações e conchavos, e essa desgraça, mais cedo ou mais tarde, fique certo disso, nunca parece falhar: ah!, ela desgarra e separa intenções, integrantes e irmãos de qualquer grupo, comunidade, sociedade, possibilidade", aquele mesmo senhor ainda assinalava, agora mesclando a nostalgia com um desgosto incomensurável, com uma dor incompatível para os cantos, os contornos e os padrões de qualquer coração.

"Tínhamos incitado uma revolução e iniciado uma refundação para encetar, e não ensaiar, uma utopia. Compreensão, cooperação, colaboração: tudo estava convidado, combinado e bem conectado para esse rumo até que os fios 
c.o.m.e.ç.a.r.a.m.a.s.e.r.
r..o..í..d..o..s..
a...t...r...o...
f....i....a....
d.....o.....s.....
e......
s
o
l
t
o
s
(ardilosamente por ratos que souberam esconder seus sórdidos escândalos e convencer os gatos de que o dever de cuidar e vigiar merece ser recompensado com pequenas regalias; de que iguarias não precisam ser iguais; de que mimos são apreços mínimos)."

"Tolos são os que juraram brigar pelo povo e cobrar por justiça para todos e depois acabaram sem brio, cobertos e distorcidos pelo falso brilho dourado do status, disfarçando volumes dos seus ganhos e gastos vexaminosos e indevidos como se fossem vantagens dignas e semidivinas."

"Iniciativas autônomas e dinâmicas, tão inovadoras e didáticas para a população, foram minguando e sendo engolidas pelas águas poluídas e represadas da burocracia e do emburrecimento, pelas profundezas do ego, do apego e do desejo de novos e profanos representantes, que reativavam, nas suas ações e reações, toda a nocividade de vícios institucionais com interesses pessoais. Suas falas eram claras traduções de velhas tratativas, falácias e ilações, agora ditas em outras línguas agradáveis e lindas. Elas eram artificialmente articuladas para audições incautas, mas quem sabia ouvir conseguia ver como e até onde a audácia humana poderia se agravar para também alcançar o mal, isso logo depois de ter alçado o bem ao mais alto possível dos nossos tons, traços e contrastes."

"Nas sessões e nas assembleias, reapareceram das sombras (daquela vez para sempre?) comparsas do passado e traidores paramentados e trajados como parlamentares, com seus projetos, relatórios e pareceres ornamentados por reticências, reticências e reticências contra poucas resistências."

"A cada lei aprovada, havia mais reis coroados, mais pedaços da democracia arrancados. Os auxílios mágicos a magistrados, procuradores, fiscais, legisladores e governantes eram dados profundamente reveladores da dificuldade de acabar finalmente com a apropriação ilegal e os saqueadores da coisa pública, que retornavam e retalhavam tudo como algozes e mandantes."

"Como podem isso, de dormir em paz após dominarem propósitos comuns?", aquele senhor apontava, perguntava e se revoltava. "Assim merece ser assinada a história recente desta cidade, ser assinalada a vida inglória deste cidadão. Fomos do recomeço completo a um coma generalizado, de tão bem produzido, e quase ninguém se incomoda ou protesta mais. Aonde quer que você vá agora, meu caro, nunca se esqueça dessa queda e daqueles que ainda não se quebraram inteiramente. Vá agora, já!, e não jamais! Vá sempre com vontade de voar, sem vacilar para a vaidade e cair para as inverdades! Riqueza é reencontrar-se inquieto!"

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #038


Linhas de revolução 

"Houve uma vez em que a cidade cinzenta desacelerou os segundos do século e se ouviu", um senhor assinalava.

"Diante da balança da sociedade abalada e desequilibrada por favorecimentos para o topo, por tantos fatos sem o conhecimento e a preocupação de muitos, milhares de pessoas perceberam que elas precisavam dos melhores atos que correspondessem a esses fatos."

"Na progressão profunda dos protestos, os cidadãos não estavam insaciáveis por salvações, mas por satisfações e soluções. Não merecíamos uma simulação de democracia, que, na verdade, era a mesma demonstração de sempre de desigualdade e divisões, de demagogia e dissimulações, de mediocridade e insinuações."

"Costurados em tecidos tênues, finos e indelicados, os costumes por privilégios foram cortados. Conforme nossos principais critérios, estávamos sentenciando setembro ao 'seu tempo', à destituição de clãs e de incontáveis asseclas e à mobilização por novos modos de considerar, organizar e solidificar uma vida conscientemente social, justa e solidária."

"Pense bem, meu caro: se tudo estivesse na direção certa, por que precisaríamos nos emancipar com revolta de tempos em tempos? Se todos fizessem parte dessa direção certa, por que milhões continuariam com um louvor divino e uma fé cega pelo dinheiro e pelos seus discípulos? A cidade cinzenta começou a recuperar cores e valores quando reviu seus conceitos, tão cheios de contradições e poréns até então."

"Assim, passo a passo, buscávamos assentar as bases de uma sociedade que prezasse pelo bom senso, pela empatia e pela responsabilidade, que retomasse nossa humanidade e respeitasse nossa diversidade. Aqueles momentos eram tão mágicos que minha memória de menino entoava uma canção antiga de palhaço, uma cantiga assimétrica do curinga:

'O belo não clama por atenção,
mas todos o admiram

O excluído mostra o rosto,
mas ninguém o compreende

O desajeitado treme no cumprimento,
mas ninguém o equilibra

O tímido hesita com as palavras,
mas ninguém o estimula

O melancólico remói o passado,
mas ninguém o resgata

O solitário quer o presente,
mas ninguém o beija

O ansioso teme o futuro,
mas ninguém o acalma

O amargo reclama de tudo,
mas ninguém o recupera com sorrisos

O arrependido lamenta as escolhas,
mas ninguém o incentiva a tentar de novo

O pecador pede desculpas,
mas ninguém o perdoa

O revoltado se indigna com injustiças,
mas ninguém o percebe

O bêbado tropeça em erros,
mas ninguém o levanta

O louco grita de dor,
mas ninguém o abraça

O desesperado chama por ajuda,
mas ninguém o socorre

O depressivo chora pela vida,
mas ninguém o suporta

O moribundo sonha com a cura,
mas ninguém o acalenta

O cansado se senta na calçada,
mas ninguém o reanima

O soturno enfrenta as trevas,
mas ninguém o ilumina

O quieto medita sobre o mundo,
mas ninguém o questiona

O artista muda paisagens,
mas ninguém o observa

O escritor destila impressões,
mas ninguém o lê

O poeta declama sensibilidades,
mas ninguém o absorve

O travado deseja a dança,
mas ninguém o ouve

O esquisito busca o próprio lugar,
mas ninguém o orienta

O indeciso desabafa dúvidas,
mas ninguém o analisa

O inquieto quebra o espelho,
mas ninguém o imita

O perfil luta para ser humano,
mas ninguém o curte

O belo recebe todas as atenções,
mas a verdadeira beleza pertence aos desajustados'

... O nome desta canção? Ela se chama 'Ode aos desajustados', e cada apresentação dela era notável..."

"Com explosões no céu, as pessoas celebraram e comemoraram, expressaram-se e comoveram-se, na festa do primeiro ano do despertar geral. Havia um estado de comunhão primoroso, um sentimento especial, um bem comum em evolução!"