Pensamentos Prensados

terça-feira, agosto 02, 2016

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #030


Linhas de inconsciência

Na poeira de poemas poentes, repousam profecias profundas,

E esses poemas põem os céus contra os desacatos de uma garganta desgastada e selvagem, que deságua garrafas enquanto grita pelas suas graças, nunca garantidas, e pelas suas mágoas, sempre desassistidas.

Respirações restritas?

Sonhos somáticos...

Úlceras ucrônicas! (Cresce, com o peso do medo, esse monstro que era pensamento e agora rosna como pesadelo, que fareja, ronda e come a amargura e a apatia das possibilidades nulas, daquilo que poderia ser e nunca será. "Desperte!", alguém falava. A cada conquista, esse monstro esconde-se menos e ri mais, estronda e pede muito mais, arrisca-se com passadas e pegadas maiores, conhecendo melhor os campos oníricos e compreendendo onde encontrará uma saída, um ponto em que saberá se inverter, saltando do sono para os escombros da realidade verídica e inverossímil. "Desperte, desperte!", alguém gritava. A cada desilusão, esse monstro reage com mais ferocidade, arrancando qualquer decisão contra ele, aumentando feridas, delírios e contrações, fustigando, assustando, machucando. "Desperte, desperte, desperte! Não se entregue!", alguém implorava. E esse monstro está vindo, mais perto, rindo de todos lados dessa mente perturbada e desolada, tão certo em querer implodir e devorar o que mora na memória. "DESPERTE, NÃO SE ENTREGUE JÁ OU JAMAIS", alguém alertava berrava esbravejava era eu era ela talvez nós sua voz tudo desespero puro nem todos bem tampouco tudo negação – "DEEES PEEER TEEE AAA GOOO RAAA" – sim sim sim não somos monstros não somos dementes não podemos ser somente ruídos e ruínas rotina sem rima destino sem sentido mundo sem música vida sem vibração – "ALGO PRECISA EXPLODIR" – silêncio silêncio silêncio e isso isso isso nada mais nunca mais por favor que algo se rompa logo sem dor ou com dor final terminal infernal mas que se ROMPA LOGO...)

Depois do despertar brusco, o sono some depressa (e onde buscá-lo?)... a madrugada parece uma maldição perene, de reflexos turvos, reflexões confusas, refúgios inseguros. A mente gira ao redor do corpo, mirando uma redenção que não esteja erigida sobre recordações; mas não existe alvo, como se pode exigir algo se nada está claro dentro de si? "Mesmo assim, vai! A loucura te impele; o cansaço também / Avisos no portão: quem não vive se perde e cai na repetição / E quem se repete cria o próprio teatro de uma peça apenas / Ah, heróis não há! Nem estátuas e ídolos, deuses tampouco / A única sombra que enfrentarás aqui vês todos os dias / A chance é eterna: contemplas a energia? Essa luz azul?", um poeta obscuro, obstruído e obliterado se esgoelava, em versos empoeirados, em velhos pontos ignorados.

"Durante escaladas de inclinações negativas e incisivas, que só alcançariam a dura e sólida desistência, de céu solitário e distante, de ar frio e rarefeito, havia tolos que ainda teimavam em utopias, em tocar os mais temíveis e elevados topos, e havia loucos que não relevavam tonturas, nevascas ou avalanches; sim, eram poucos, mas não se afetavam com contratempos ou lamentos – todos eles subiam, entre as fraturas das rochas e as fissuras do gelo, afundados até a cintura, com esta fé estática de que o julgamento de julho seria jubiloso!", um escritor descrente, desacreditado e descontrolado escavava, no derretimento de cadáveres, entre dentes e caveiras (onde foram parar as belas palavras que embalavam os sonos e os sonhos antiga e benditamente?).

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #029


Linhas de mal-estar


Todas as vidas têm um peso, que flui, muda, retorna, fixa-se. Vazio e patético. Leve e sublime. Mediano e entendiante. Pesado e assustador. Insuportável e depressivo. Variável e conflituoso. Equilibrado e sensato. Desconhecido e amargo. Secreto e sensível. Eterno e admirável.

Se o objetivo é tentar viver intensamente, a quem atende este teatro de tensões, tratativas e segundas intenções que é o dia a dia? E quem entende estes atores atordoados e atormentados por atos falhos, fatos falsos e falta de tato?

Altos e multiplicados, os aplausos da multidão não aplacam muito as lacunas que nos incomodam; buscamos, de modo incontrolável, uma autenticidade incontroversa, essencialmente nossa.

Mesmo inicialmente fora de tantas cenas que nos forçam e nos forçamos a fazer, a delicadeza não deixa de andar, deslizar e dançar com formidável destreza, conforme sua natureza – confiante, desafiante, constante.

Em cada vida realmente sentida (e não ensaiada, não encenada, não enfeitada), há um turbilhão: escolhas, lembranças, alegrias, melancolias, nostalgias, aprendizados, arrependimentos, sonhos, medos, desejos, questionamentos, conquistas, frustrações, esperanças.

Se podemos estar acordados no meio de fenômenos estranhos e harmônicos, de mistérios e misturas de cores, cheiros e acordes, por que ignorar a contemplação de coisas simples, complexas e plenas e nos hipnotizar com a conformação de espetáculos de egos, palcos e plateias? Um roteiro próprio não se repete, emburrece ou embrutece: ele continuará tendo frações de constelações neste corpo de fracassos e façanhas, contendo fricções (e não ficções) de corações nesta couraça de carbono e contorno, combatendo flexões de condições neste acordo de clausuras e aberturas.

Mas o amor ainda se anima em ser o maior ardor (e não ar de dor) do caminho? Ou agora o amor agonizará como mau agouro, como um ator comandado, coordenado e condenado pela fama e pela infâmia?

Um conto sobre os contrastes do ano (de tantos tons humanos) - Semana #028


Linhas de ausência

Metabolismo, metamorfose, metástase, metade que se vai...

No inverno que inverteu nossas vidas, não havia quem visse ou vislumbrasse como a luz e a paz teriam chances de ultrapassar o luto e o passado; como seriam capazes de chamar e unir os tons de luta e paciência necessários para o presente renascer da maneira que era, bem persistente e com bons presságios?

Na brancura das ruas, ombros e braços se dobravam aos consolos e aos sons dos sinos, mas nada dominava os sinais dessa dor, nada dormia e sonhava em silêncio

– Perplexa pela perda perpétua, a mente se mantém presa aos mínimos e máximos detalhes de ontem, anteontem e tanto tempo abençoado antes, que são remontados hoje a cada riso alheio e homenagem aleatória; isso de abandonar e não tentar mais tocar inúmeros momentos especiais e comuns de um nome único é o mesmo que se decidir pela pena de morte para a própria vida (cindida, sem norte ou perspectiva), é se dispensar como pessoa e personagem, é se distanciar de vez das estações e das percepções (até das mais congeladas e consternadas), é se aceitar como espectro introspectivo e assim estar, interagindo em um estado irreversível de decomposição (ou de compulsão?)...

Nossas vidas vibravam com vozes, com vocês, com você!

O que faz sentido nessas fagulhas que tivemos e temos se isso tudo sempre termina e se acumula em cinzas?

O que há de nós no ar após nossa razão de voar ser rasgada e voltar das asas para o pó?