O reflexo inquieto (conto)
Milhares de pessoas passavam e sumiam rapidamente naquele labirinto infinito, de corredores largos e extremamente brancos, quase transparentes. Tinham pressa, mas flutuavam sem se cansar; apesar da velocidade, seus rostos permaneciam rígidos, frios, sem contrações e emoções. Incontáveis portas se espalhavam pelos lados e eram o destino final de todos. Quando alcançavam a porta que deveriam encontrar, atravessavam-na e mergulhavam em um lugar totalmente diferente.
Assim como eles, eu deslizava por esse mundo vazio, atraído por uma força desconhecida que controlava todos os meus movimentos. Não conseguia parar, tampouco alterar meu ritmo. Era incapaz até de realizar ações simples como falar, virar a cabeça, fechar os olhos e erguer os braços.
Eu era igual a eles em quase tudo: flutuávamos calados, com gestos mecânicos, sem naturalidade, em direção a uma porta que nem tivemos chance de escolher. A única diferença é que eu percebia, ainda que efemeramente, as coisas ao meu redor. Pensar, porém, era uma tarefa árdua. Quando desenvolvia um pensamento, ele logo se dissolvia. Minha mente era uma vastidão vazia, pontuada por alguns lampejos ocasionais.
A impotência era tão grande que nem podia me desviar das pessoas, eu simplesmente as atravessava; elas, por outro lado, passavam por mim como se eu não existisse, como se ninguém existisse ao redor de cada uma delas. Pareciam estar todas cegas, pareciam só enxergar o nada.
Continuei a flutuar até parar diante de uma porta e transpô-la. Agora estava em um banheiro (por que eu estava lá?), com uma sensação estranha: acho que já estivera ali antes. Encarava-me no espelho, embora não soubesse o motivo. Tentava fazer algo diferente, mas sempre fracassava. Nada em mim me obedecia; eu agia por impulso, sem refletir. Tudo parecia previamente programado.
Vi minhas olheiras no espelho, mas não sentia cansaço. Molhei o rosto e fiz uma careta, mas não sabia se a água estava quente ou fria. Com a testa encostada ao vidro, mexi os lábios, mas não ouvi som algum. Cada gesto meu não parecia ser novo, apesar de não me lembrar dos anteriores.
Uma mulher morena entrou no banheiro (por que ela estava lá?) e parou do meu lado. Sorrimos e nos viramos, nossos perfis colados refletiam no espelho. Inclinei a cabeça, fechei os olhos e a beijei. Beijava-a sem saber o nome dela, sem sentir o gosto dos lábios dela, sem saber quem (ou o quê) nós realmente éramos. Deveria sentir algo, mas não conseguia.
Peguei a mão dela e, juntos, atravessamos a porta. Em vez de voltarmos ao labirinto branco, entramos em um quarto. Olhei-me no espelho do armário e vi que estava suando. Gotas escorriam pelo meu rosto, mas eu continuava sentindo nada. Era realmente estranho: o reflexo que acompanhava meus movimentos no espelho parecia muito mais vivo do que eu.