Passos que ecoam (crônica)
Você...já abriu os olhos e percebeu que caminha sozinho em uma rua vazia? O percurso ainda pequeno começa a cansar suas pernas. Sua infância se despediu há muito tempo, o mundo escureceu e você vagueia pela madrugada fria. Os passos não ecoam, a efemeridade dissolve o som. Seus braços...envolvem o corpo, mas a alma congela.
Você...já fechou os olhos para esquecer as coisas acumuladas no coração? Alegrias que não voltam mais, dores que insistem em viver. Você abaixa a cabeça para não encarar o nada. Andar é difícil quando se arrasta cadáveres amarrados à memória. Como enterrar parte de sua vida sem se matar? Sua esperança...é abandonada em cada curva, mas o vento a recupera.
Você...já sentiu as responsabilidades que sufocam seus sonhos? As obrigações correm e atropelam você. Sua mente luta contra tantas coisas fúteis, o ar lhe falta quando o tempo finalmente se liberta. Quando a energia volta, outro obstáculo surge. Sua vontade...continua nadando para não se afogar no torpor.
Você...já pensou em pedir socorro ao conforto? A existência oferece diversas luzes artificiais durante o percurso. Sorria sem parar e sobreviva sem se machucar. Cale suas críticas que mantêm o muro erguido. Por que você se recusa a ser feliz como os outros? Seu trajeto...simplesmente não obedece ao mapa que lhe ofereceram.
Você...já parou a garoa e vasculhou respostas na dança das gotas? Seu rosto molhado espera o adeus das nuvens, os olhos contam as estrelas que restaram. Alguma vida consegue chegar ao fim desse caminho? Você chora e segura as lágrimas para não perdê-las. Seu destino...fraqueja quando anda nos círculos do desânimo.
Você...já continuou a caminhar entre poças que entortam os passos e procurou perdão para um castigo que você mesmo criou? As decepções diárias fazem você tropeçar. A dúvida sussurra, um erro pode ressuscitar o passado. Você se encolhe e passa a questionar a confiança. Sua garganta...se esforça para soltar palavras otimistas.
Você...já tremeu com o vento que corta os lábios e faz sangrar a vida que sente saudades da mais bela das vidas? O novo caminho está repleto de frustrações. É tão fácil despedaçar os valores contra o chão, abandonar sua espontaneidade para agradar os outros. Suas escolhas...são testadas a cada silêncio seu na multidão.
Você...já se encostou em um poste à procura dos amigos e voltou para ajudar ao vê-los caídos e feridos? Continue a andar se seu braço protege a amizade, retorne se sua mão cumprimenta a hipocrisia. Os atalhos da indiferença nunca têm saída. Suas verdadeiras risadas...e lágrimas...existem graças aos amigos.
Você...já procurou a infância em cada esquina que vê? Tudo era mais fácil quando os pais eram sua sombra e evitavam as quedas, o choque, a amargura. O jardim sumiu quando a melancolia estilhaçou a alma. Você se ajoelha e recolhe incontáveis fragmentos no asfalto. Sua nostalgia...chora ao tocar seus fracassos.
Você...já descobriu que é um andarilho solitário? Apesar dos familiares, amigos, amores e dores, você passará a maior parte de sua vida sozinho. Só no sono, só nos sonhos, pensamentos prensados. As palavras voam no ar e escorrem nas paredes. Seu silêncio...é a voz que orienta você.
Você...já teve medo de tudo e não soube o que fazer? Quando as encruzilhadas aparecem uma após a outra, quando as possibilidades são infinitas, como acertar as escolhas, evitar os erros (des)conhecidos? As tentativas, as mudanças e os recomeços são passos eternos. Sua vida...sempre será sua se você acreditar em mais uma nova chance.
Você...já deixou de ter medo de se olhar no espelho? De encarar as dúvidas e analisar quem você realmente é? O menino brinca com a imagem, reflete o jovem. O sorriso é amargo, mas é natural, você descobre as pequenas e grandes felicidades. Seu reflexo...também sorri, pois não imita um reflexo.
Você...já escreveu seu nome em um cartaz, como tantas outras pessoas, apenas para dizer que vive, é especial e está feliz? O esquecimento é a punição da mediocridade e derruba vaidades, é a morte lenta das máscaras sem rostos. Os solitários vivem, a multidão desaparece. Seus passos...ecoam quando criam boas lembranças.
Você...já notou quantas vezes quis desistir de tudo? Sentado na calçada, você tenta expulsar o cansaço (aquele cansaço). A cabeça está abaixada, mas os lábios hesitam em anunciar o fim. Os pés protestam, gritam contra o chão, voltam a cantar. Sonhos contra medos, abraços contra coreografias, recordações contra ausências. Seus olhos...querem ver o céu clarear.