Pensamentos Prensados

sexta-feira, agosto 29, 2014

Manguezal (hai-kai)


Resiste o reino
de jacarés e garças em meio
à loucura de pedra

segunda-feira, agosto 25, 2014

Idade (hai-kai)


A cada passagem,
o tempo mostra as imagens
do que foi – e do que não foi

sábado, agosto 23, 2014

Supernova de uma conversa (conto)


Em um ponto esquecido, perdido em um canto pouco observado, de tamanho irrisório, vive um arquivo de peso primordial, que trespassou a barreira do ceticismo e o destruiu para refiná-lo. Com um clique, o início de tudo isso pode ser relembrado, sentido e amaldiçoado. Com mais de um clique, pode ter o núcleo eliminado, mas continuaria presente graças aos inúmeros fragmentos espalhados por espaços e tempos.

A pastas-luz de distância, ele vive como prova incontestável da euforia pelo improvável, por aquilo que desejamos e vem tão natural, sem qualquer tipo de esforço para nós. É a prova da racionalidade abandonada, atropelada por linhas frenéticas, pedindo para ser pisoteada mais, mais e mais, mais forte, mais firme, mais depressa, e tremendo pela concretização de uma esperança praticamente esgotada.

Esse arquivo é um mosaico de palavras digitadas durante a madrugada de uma noite qualquer, que falavam de sonhos com brigas, ferimentos, sangue, cuidados, salvação. De letras que desenhavam lentamente um sentimento recíproco, reluzente, redentor. Real.

Ele também é o registro de promessas implícitas sobre o fim das telas que separavam os rostos e precisavam de dedos hesitantes com teclas, atordoados nos momentos de pensar, e escrever, e preparar, e ensaiar com voz baixa, e proferir, e soltar frases que poderiam ser decisivas (ou vazias) aos olhos raramente vistos.

Mas o desenho nunca foi além de rabiscos, que se revelariam guiados por desabafos sem controle, por desgostos com sabor de álcool, por frases escritas como cigarros descartados. Foi um desenho que brilhou por um instante, tão imprudente, e depois se apagou, apago, apag, apa, ap, a,

Os acusados de cometer o fim, que não virou recomeço, foram absolvidos na sentença de uma outra noite qualquer: as diversas primas da família Circunstância, o procurado Destino, a xingada Sorte, o melancólico Azar, a mal-informada Fatalidade, o atrapalhado Imprevisto, o misterioso Céus, os irmãos Astro (Mentiroso e Conspirador) e a temida Divina Providência.

A decisão por aquele fim, definitivamente sem ponto e vírgula ou ponto de interrogação, foi mesmo culpa do inabalável Não, que ressurgiu loucamente como o otimista Talvez, mas nunca quis ser o corajoso Sim, pois não saberia sê-lo do jeito suficiente. Cruel, o Não voltou a ser certo e certeiro: "Você se iludiu. Você se deixou ser iludido. Você não queria ser iludido assim. Você se irrita de ter tremido tanto e se iludido como nunca".

Cada vez mais pesado por fusões de caracteres anteriores e posteriores, esse arquivo levou o universo paralelo imaginado ao colapso. Implodido, expeliu sentidos em todas as direções e agora tenta sugar as emoções que se aproximam dele para distorcê-las, em uma ação derradeira contra o esquecimento. Às vezes, obtém algum sucesso.

quarta-feira, agosto 20, 2014

Quebrando-me (hai-kai)


Vem, partida em dois:
não me importa o rival,
a mente o supera

segunda-feira, agosto 18, 2014

Tabuleiro verde e cinza (hai-kai)


Teu xeque-mate
não virá dos prédios-peões,
rei Cambirela

sexta-feira, agosto 08, 2014

Disfunção rítmica (hai-kai)


Tão impreciso,
inconstante e perdido
– humano demais

domingo, agosto 03, 2014

Intrusão de graus (hai-kai)


No calor de inverno,
as metáforas da estação
perdem o sentido

sexta-feira, agosto 01, 2014

Volúveis (hai-kai)


Chove sem parar,
sem paciência: logo
transbordaremos