Pensamentos Prensados

domingo, janeiro 21, 2007

O elogio engoliu o escritor (conto)


Niemand era um jovem escritor que acabara de lançar seu primeiro romance. O sucesso e a repercussão foram maiores, muito maiores do que pudera imaginar. A crítica adorou o livro: os elogios foram quase unânimes. Disseram que a trama era bem desenvolvida, que havia inúmeros personagens carismáticos, o protagonista era um das figuras literárias mais complexas e interessantes dos últimos anos, o estilo de escrita era arrojado e inovador, etc.

O público também foi extremamente receptivo. Embora o livro tenha sido lançado por uma grande editora e ganhado uma divulgação expressiva, ninguém mesmo assim esperava que as vendas atingissem patamares impensáveis para um autor novo, que fariam muitos veteranos corar de vergonha. A obra de Niemand permaneceu no topo da lista de vendas por vários meses.

Além disso, o escritor foi capa de revista, participou de entrevistas, ganhou site, seu livro virou filme, virou febre nacional. Era um gênio precoce, símbolo e líder de uma geração talentosa, um jovem extremamente criativo, detentor de múltiplos recursos literários. Seu livro foi analisado por vários acadêmicos e ensaios pululavam nas universidades. A histeria era tão grande que, se alguém tivesse a audácia de criticar a obra, correria o risco de ser linchado.

E é claro que Niemand adorava toda aquela bajulação. Sentia-se recompensado por tantos anos de leitura, escrita e trabalho. Considerava-se um bom escritor antes do lançamento; depois do sucesso, porém, mudou a sua avaliação. Percebeu que estava errado. Ele não era somente uma promessa: era um escritor destinado a interpretar e decifrar o espírito da época, um guia que ajudaria as pessoas por décadas com sua visão de vida, seus conselhos e suas lições. Geralmente concordava com o que as pessoas falavam dele e do seu livro.

O jovem reflexivo que havia em Niemand foi sufocado pelo escritor, pelo homem público que se encantou com bajulações e perdeu o espírito crítico. Esse processo não ocorreu abruptamente, mas sim de maneira gradual. O foco do autor começou a se dispersar. As idéias das obras conseguintes, que ocupavam sua cabeça nos primeiros meses de sucesso, perderam espaço para festas, eventos, premiações, fofocas na imprensa, projetos sem relação com a literatura.

O escritor acomodou-se. Rejeitou as (poucas) críticas, das quais muitas eram bem precisas, e não se preocupou em modificar as deficiências que possuía e aprimorar suas técnicas. Diminuiu o tempo de trabalho por acreditar que o talento seria o suficiente para solucionar improváveis impasses. A produção do segundo livro foi bem desleixada, mas a aura criada em torno do primeiro ofuscou as pessoas, que diziam que a nova obra era quase tão boa como a anterior.

No entanto, ela não era, estava muito abaixo da primeira e mais ainda de um livro escrito por alguém que deveria ser um gênio. As críticas aumentaram consideravelmente, apesar de ainda partirem de uma minoria.

No terceiro livro, porém, não havia mais o que esconder. A fórmula da trama se repetia outra vez, as abordagens eram superficiais, os personagens pouco verossímeis. Críticas também surgiam do público e explicavam o número apenas razoável de vendas. O gênio caiu do céu e voltou a ser mortal. Um mortal que tentou ignorar a própria queda. Niemand desprezou os ataques e considerou que poucos estavam aptos a entender a complexidade desse novo romance.

Insistiu em manter seu estilo, seu modo de vida e de trabalho nas obras posteriores. E conheceu o que mais temia: o fracasso e o declínio. Tentou se recuperar, mas não sabia por onde. Esqueceu-se da conduta que adotava no começo da carreira, perdeu-a na névoa dos elogios traiçoeiros.

O talento que tinha foi carcomido pela vaidade que alimentou nesses anos. Soube usá-lo muito bem uma vez e desperdiçá-lo como nunca em todos os outros momentos. Não conseguiu reencontrá-lo, pois não pediu ajuda para a reflexão. Seu estado mental se degradou rapidamente; as saudades do passado glorioso eram tão insuportáveis que preferiu abandonar a vida. A História que erguesse seu nome novamente.